sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

AO REDOR DA ESCRITA



Hoje comprei um anjo
Daqueles que se anunciam nos jornais
Mas ao comprá-lo fiz um arranjo
Sem que nada tivesse feito demais.

Por ser pobre e não poder ter luxo
E ver nos bairros, velhos numerosos
Saídos dum albergue em refluxo
E tratados como se fossem animais tinhosos.

Eu também levei uma vida de cão
Mas no meu coração existe uma pomba
Que canta uma doce canção
No cimo duma árvore muito longa.

O seu canto é de um mestre negrinho
Que há pouco tempo me deixou!
Por ter usado este lindo arranjinho,
Para onde foi, não sei: mas seu canto ficou.

No tempo das árvores grandes e esguias,
E que se tocavam mutuamente!
Tal como os ciprestes de grandes guias
Como se fosse um funeral de pouca gente.

Olho-me como se tivesse a fazer tiro ao alvo!
Junto ao muro de um cemitério,
Tendo ao meu lado um tipo meio calvo,
Que me apertava o bordão bem a sério.

Se o espírito daquela noite fosse palpável
Num lugar onde é forçoso fazer vigília!
Onde onde corre alguma lágrima desagradável,
E onde se espalha um cheiro a flor de tília.

Onde até se escuta, o grito duma pedra qualquer,
Olhando a lua, que não nos deixa,
Pensar o que leva cada mulher,
Que passa serena, sem uma qualquer queixa.

A comer rosas com pão: escarros são?
Os copos claros são de loucos
Porque fazem escurecer o coração
E vão bebendo a sua morte aos poucos e poucos.

São como uma aldeia deserta,
Que faz que não vai demorar,
Tendo deixado seu sangue como oferta
Deixando a aurora amanhecer devagar.

Serei velho como a carne fria,
Que conheço bem como aquilo que consumo!
Quando a morte chegar,nascerá um novo dia,
O pão que devorarei, terá o cheiro a fumo.

Mas levo nas minhas veias, sangue até à mão,
Até as cordas eles já prepararam,
Para quando parar meu coração,
Para cortar o amor com que me criaram!...
dcb

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