quinta-feira, 20 de novembro de 2014

AS MOTIVAÇÕES


     Até ao século XIX, considerava-se como única a que a motivação do Reino Português para as conquistas africanas em Marrocos  tinham sido de ordem religiosa e espírito de cruzada. O cronista Gomes Eanes de Zurara refere-se nesse sentido que os Infantes tinham as suas razões, mas a decisão cabia ao Rei D. João I. Que diz assim: " Eu não o teria por vitória, nem o faria em boa verdade, ainda que soubesse cobrar todo o mundo por mau, se não sentisse que em alguma maneira  era serviço de Deus".

     O motivo religioso, sobrepondo-o a todos os outros, foi como tal apontado, entre outros, por João de Barros, Luís de Camões, Gil Vicente.

     Sem falarmos no papel dos Reis Portugueses na Reconquista da Península Ibérica e independentemente de nos apercebermos todo um pensamento de acordo com uma época que mantinha os valores da Cavalaria Medieval, que já vinha detrás, a provar está o consentimento e bênção do papado dado ao pedido D. Dinis para combater os corsários mouros e ao de D. Duarte, em 1436, nas intervenções de ocupação do território sarraceno, infiel e ímpio, junto do Norte de África.

     Daí as sucessivas bulas da Cruzada que se lhe seguiram  e foram dirigidas ao Reino de Portugal e à portuguesa templária Ordem de Cristo. Isto para consentir e agradecer toda a intervenção nesse sentido da conquista dos territórios " nullius diocesis" (sem diocese apostólica) para aumentar o número de cristãos e o seu prestígio.

     Entre outras, temos a bula Apostolice Sedis emitida em 23 de Maio de 1320 pelo Papa João XXII; Etsis suscepti, em 1442; a Dum diversas, em 18 de Junho de 1452; logo depois a Romanus Pontifex em 8 de Janeiro de 1455 1454, enviadas pelo Papa Nicolau V; e mais tarde  surge a bula Inter Caetera, em a de Maio de 1493, pelo Papa Calisto III.

     Mas havia também  outras razões para a conquista de Ceuta, mais de um século depois  resumidas pelo carmelita Frei Amador Arrais, ligando-as à acção de D. Afonso IV na Batalha do Salado - " El-Rei Dom João o primeiro, começou a conquista de África, tomando Septa, Baluarte da Cristandade, & Chave de toda Espanha, Porta do comércio do poente para levante".

     Os muçulmanos dominavam o estreito de Gibraltar e eram poderosos em Granada. Pela sua posição geográfica, Ceuta era uma base naval que podia servir de apoio à navegação entre a península Itálica e Portugal, permitindo também reprimir ou tolher a pirataria dos mouros nas costas do Atlântico.

     No século XX, houve historiadores que julgaram o passado com as preocupações do presente, considerando a primazia do interesse económico: procurar acesso directo a fontes de fornecimento de trigo, de ouro ou de escravos no Norte de África. Mas houve também historiadores, como David Lopes, rebatendo essa tese: " Ainda que Ceuta tivesse importância como centro de comércio, a sua conquista por cristãos desviaria dela o tráfico muçulmano".

     As conquistas de Marrocos, porém, sob o impulso do Infante D. Henrique, vieram a dar lugar aos descobrimentos. Segundo Gomes Eanes de Zurara, na Crónica do descobrimento e conquista da Guiné, as expedições organizadas pelo Infante tinham cinco motivações:

1º, conhecer a terra além das Canárias e do Cabo Bojador; 2º. trazer ao reino mercadorias; 3º. saber até onde chegava o poder dos muçulmanos; 4º. encontrar aliados que o pudessem ajudar numa guerra que durava há trinta anos; 5º. trazer para a fé de Cristo todas as almas que se quisessem salvar.

     Se, com o Infante, ao avançar pela costa de África na direcção do Sul, parece haver sobretudo a intenção de envolver pela retaguarda o grande poderio islâmico, adversário da Cristandade (uma estratégia militar e diplomática tributária do espírito das Cruzadas), a crescente intervenção dos  " cavaleiros-mercadores " (Magalhães Godinho) nos reinados de D. Afonso V e D. João II, acabará por levar a expansão portuguesa até ao Oriente em busca das especiarias.

     Em 1453, com a tomada de Constantinopla pelos Otomanos, as trocas comerciais no Mediterrâneo de Veneza e de Génova ficaram muito reduzidas. O proveito de uma rota comercial alternativa mostrava-se recompensador. Portugal iria ligar directamente as regiões produtoras das especiarias aos seus mercados na Europa. Quando se firma o projecto da descoberta do caminho marítimo para a Índia, a  expansão portuguesa sem esquecer a vertente religiosa está também já dominada pelo interesse comercial. 

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